domingo, 10 de julho de 2016

O coração da Loucura

         "É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade"

  Nise da Silveira, alagoana que cursou Medicina na Bahia no período de 1921 - 1926. Sendo a única mulher em uma turma de 157 alunos, colou grau com a tese "Ensaio sobre a Criminalidade da Mulher no Brasil".
  Em 1927 Nise estava morando no Rio de Janeiro e casada com Mario Magalhães, um antigo colega de classe da faculdade. Juntos, frequentavam círculos marxistas por meios artísticos e literários. O que rendeu a Nise, 15 meses de reclusão no presídio Frei Caneca, após ser denunciada por uma enfermeira que mostrou à polícia política de Getúlio Vargas, liderada por Filinto Muller, os livros marxistas "subversivos" que ela guardava em sua estante.
Durante a prisão, Nise deliciava-se ao contar o caso de Luíza, uma esquizofrênica que todas as manhãs levava seu café, ao saber que a mesma havia sido presa, aplicou uma surra na enfermeira que a denunciara. Logo, Nise dizia que aquilo fora uma verdadeira reação afetiva, sendo um progresso para a paciente.
  No presídio Frei Caneca, Nice conheceu Graciliano Ramos, que a descreve no seu famoso livro "Memórias do Cárcere" (José Olympio Ed., RJ, 1953): "[...] lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-se culta e boa. Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se a tomar espaço. O marido também era médico, era o meu velho conhecido Mário Magalhães. Pedi notícias dele: estava em liberdade. E calei-me, num vivo constrangimento."
  Em 17 de abril de 1944 foi reintegrada ao serviço público, após sua liberdade. Trabalhara no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, localizado no subúrbio do Rio de Janeiro. Lá, Nise sentia-se inapta para exercer a psiquiatria, pois era contra todos os métodos antiquados e brutais, como choques elétricos, cardiazólico e insulínico, camisas de força e isolamento. Tudo recordava-lhe as torturas do Estado Novo, sendo um reflexo do seu horror.
  Após Nise se opor aos tratamentos arcaicos, lhe entregam o setor de terapia ocupacional, relegado a um porão do prédio, para isolá-la num departamento todo seu e não incomodar a alta cúpula. O que a médica fez a partir de então foi revolucionar o tratamento psiquiátrico, buscando um trabalho mais humano, mediado pela arte, criando um ateliê.
Em pouco tempo o ateliê ganhou notoriedade e a produção dos pacientes tornou-se um material impressionante sobre as imagens da psicose.
Em 1947, uma exposição sobre esta forma de arte foi organizada pelo Ministério de Educação e Cultura
1949, no Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Para preservar e pesquisar o acervo artístico dos psicóticos (que reúne cerca de 350 mil obras),     Nise criou o Museu de Imagens do Inconsciente em 1952, referência internacional e objeto de estudos e visitas. E para mante-lo foi criada em 1974 a Sociedade dos Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, celebrando um convênio com a FINEP e a SEPLAN.
  Para Nise, a terapia ocupacional era uma psicoterapia não verbal, única e apropriada à reabilitação de psicóticos. Ela ressaltava o alcance desta terapia para além das formas convencionais de psicoterapia (verbais), ao constatar que a comunicação com os esquizofrênicos graves só poderia ser feita inicialmente em nível não verbal. A terapia ocupacional permitia a eles, segundo suas próprias palavras, "a expressão de vivências não verbalizáveis que no psicótico estão fora do alcance das elaborações da razão e da palavra".
  Numa época dominada pelo machismo e o modelo patriarcal, essa mulher ousou desafiar os padrões dos tratamentos psiquiátricos, sendo ridicularizada por seus próprios colegas de hospital, que a prejudicaram quando seus métodos começaram a dar resultados. Nise é ou não é um exemplo deveras humanas? Se você se interessou por essa breve biografia, dessa mulher empoderada, assista ao filme nacional "Nise - O coração da Loucura", que está sendo transmitido durante toda semana na estação Sesc Rio, até dia 13/07!!

                                Perfil da Autora
Beatriz Souza

Mente de biológicas, alma de humanas.

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